terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Só peço que me deixem em paz

A frase é do andarilho Falcão que teve a vida ameaçada

Os últimos dias têm sido tensos para o andarilho Falcão, como é conhecido. Morador há pelo menos quatro anos das proximidades do Palacete Pedro Osório, ele vem sendo importunado por jovens que ameaçam atear fogo nele e no seu acampamento, onde vive com a sua cadela Sofia e com um novo membro, o Guri, cão que ele encontrou doente na rua e está tratando.
O andarilho diz que, na madrugada da última sexta-feira, por volta das 3h30min, estava dormindo quando foi acordado pelos latidos de Sofia. Quando saiu da barraca, se deparou com um homem, maior de idade, com um galão que, segundo Falcão, continha gasolina. A o ver, o agressor saiu correndo. Além da substância inflamável, o jovem também estava com um isqueiro na mão, que caiu na fuga. “Foi graças a essa cachorra (Sofia) que eu acordei”, destaca.
Falcão conta que não é a primeira vez que isso acontece. Há cerca de duas semanas, um homem colocou, em tom de ameaça, o skate dentro da barraca, enquanto o morador dormia.
Apesar de não haver justificativa ou motivo para que um ser humano coloque fogo em outro,  ele acredita que o que falta é amor. “Há muitos problemas em mansões e apartamentos. A juventude não fica mais com a sua família”, afirma. O andarilho comenta que as famílias não passam mais um final de semana juntas. E que os jovens fazem na rua o que não podem fazer em casa. “Eles não ouvem mais ninguém”, argumenta.
Para sobreviver, ele cata latinhas de bebidas e faz cartazes com pedidos, que são geralmente para a ração da Sofia. “Eu não sei ficar pedindo dinheiro. O que eu preciso coloco no cartaz”, diz. Portanto, não aborda ninguém na rua, pois não gosta e não se sente à vontade em incomodar.
A tensão de poder ter o corpo queimado em uma madrugada qualquer, não permite que o sono seja tranquilo. Sendo assim, duas horas têm sido o tempo médio de repouso dele. Para voltar a poder levar a vida de sempre, o catador pede: “eu já tenho uma vida marcada pelo sofrimento. Só o que eu peço é que me deixem em paz”.

Crédito da foto: Tiago Rolim de Moura
Matéria publicada no jornal Folha do Sul, na edição do dia 22 de fevereiro de 2014.

Bianchetti se manterá vivo em Santa Thereza

Notícia da morte do artista entristeceu a cidade

O bageense, ilustrador, gravador, pintor e professor da Universidade de Brasília (UnB), Glênio Bianchetti, 86 anos, morreu na madrugada da terça-feira e já deixa saudades. Considerado um dos artistas brasileiros mais completos, Bianchetti nasceu em Bagé, em 1928, onde deu início a sua vida artística nos anos 1940, com orientação de José Moraes. Na Capital, ele foi aluno de Iberê Camargo e, três anos depois, fundou na cidade o Clube de Gravura de Bagé, em parceria com Glauco Rodrigues, já falecido, Carlos Scliar e Danúbio Gonçalves. Juntos, eles defendiam a democratização da arte através do retrato de temas sociais e regionais, segundo explica a artista plástica Heloísa Beckman.
Entre os temas retratados pelo grupo, conta a artista, estavam as lidas campeiras, as paisagens do Pampa e o patrimônio histórico do município. “O grupo foi muito importante para a cidade. Eles levaram o que se fazia aqui para o resto do país”, relata. Em 1951, o clube ganhou o prêmio Pablo Picasso da Paz, uma premiação em nível nacional.
Em 1962, a convite do antropólogo Darcy Ribeiro, deixou o Estado e foi morar em Brasília, onde foi professor e responsável pela criação do Ateliê de Arte e o Setor Gráfico. Durante o governo militar foi demitido, voltando ao trabalho em 1988. Conhecido por ser humanista e usar a arte para divulgar a filosofia, o gravador elaborou a arte de um dos cartazes da campanha das Diretas Já.
Apesar de ter deixado a cidade fisicamente, Heloísa destaca que o pintor mantinha vínculos afetivos em Bagé e nunca deixou de voltar a sua terra natal. “Ele tinha uma relação forte com Bagé. Nunca deixou de vir”, destaca.
Entre as obras de Bianchetti, a artista plástica ressalta a importância de suas últimas produções: Via Sacra de Santa Thereza e o tríptico do altar da igreja. “Ele já é eterno em Santa Thereza. Permanecerá sempre vivo”, salienta.
Quem também se entristece com a partida do professor é o cineasta porto-alegrense Henrique de Freitas Lima. Ele conta que conheceu Bianchetti após uma colega de profissão, Renata Barbieri, ter feito um filme sobre a vida do artista. Depois, Lima organizou a sua última exposição que fazia parte da série “Grandes Mestres”, exibida apenas no Museu de Arte de Santa Maria(MASM).
O evento abrigava 70 pinturas da coleção particular do pintor. “Nós fizemos um esforço muito grande para levar a exposição para Bagé e Porto Alegre. Mas não conseguimos“, afirma. O que deixa o cineasta chateado, já que foi montada uma grande estrutura para a mostra e ela pode ser contemplada por poucos.
Lima destaca que a notícia da morte do pintor lhe pegou de surpresa e que a convivência com o bageense, apesar de breve, foi intensa. “Eu lamento não ter convivido mais com um ser humano da qualidade e da estirpe dele”, enaltece. O profissional comenta que os momentos que passou com Bianchetti foram emocionantes e que ele enxergava e estruturava a sua trajetória artística de uma forma tocante.
A torcida de Lima é para que o trabalho do ilustrador continue sendo divulgado, o que ele acredita ser possível, já que o artista estava muito bem estruturado e conta com uma administradora do seu trabalho, que é sua filha. “Não se sabe quais são os planos, mas acredito que seja possível dar seguimento à obra dele”, conclui.
                                                                                                                   
Crédito da foto: reprodução
Matéria publicada no jornal Folha do Sul, edição do dia 19 de fevereiro.


Em cena, Jean-Claude Bernardet

Jean-Claude Bernardet está na cidade mais uma vez. O jornalista, crítico de cinema, roteirista, escritor, diretor e, agora, mais do que nunca, ator, é parte vital do Festival de Cinema, já que apoia e participa do evento desde as primeiras edições.
Durante mais de quatro décadas, Benardet foi crítico de cinema. Hoje, ele diz que não lhe cabe mais essa função. “Eu fui crítico por 45, 50 anos. Não tenho a obrigação de morrer sendo crítico”, afirma.
De uns anos para cá, ele se dedica à arte de atuar, em filmes, por exemplo, como "Filmefobia", de Kiko Goifman; "O Homem das Multidões" (2013), de Marcelo Gomes e Caio Guimarães; "Pingo d’Água", de Taciano Valério. Outros ainda estão por vir e devem ser gravados em breve.
A mudança, de acordo com o teórico, foi acarretada pela chegada da idade, que trouxe consigo uma doença degenerativa que está causando a perda de visão. “Eu precisei reorganizar a minha vida, pensando nas minhas limitações”, conta.  A nova vida, como ele mesmo se refere, é de muito trabalho e empenho. “São trabalhos elaborados em que não só as palavras são levadas em consideração, mas o corpo também”, destaca.
Com as palavras
O ator é bem claro ao dizer que não faz mais crítica, porém produz textos que chama de panfletários, que seriam publicações provocativas e de repercussão. A referência do modo de escrita deriva do cineasta Paulo Emílio Sales Gomes , já que foi amigo e mestre de Bernardet. “Paulo Emílio dizia que para ter repercussão era preciso simplificar a ideia”, pondera. A afirmação é justificada pela abrangência de uma ideia mais simples, pois se o texto for mais rebuscado vai atingir uma parte do público, mas não deve repercutir de forma política.
Fama de contraditório
O estudioso comenta que os seus textos panfletários o trouxeram a fama de contraditório. “Eu não acho que sou contraditório. Eu só tenho posições diversas para uma sociedade complexa e a uma produção audiovisual complexa”, salienta.
O jornalista diz que não é possível ser somente a favor dos Blockbuster e nem só defender o cinema autoral. “Isso seria uma posição dogmática que não atenderia à complexidade da produção e do público”, destaca. Ele exemplifica falando que o Daniel Filho não nega Kiko e vice-versa. “Um não nega o outro. A existência de um não impede a do outro”, argumenta.
Indústria cinematográfica
Bernardet relata que não tem mais certeza se a indústria cinematográfica, criada pelos filmes ditos comerciais, abre espaço para o cinema autoral. “Nos anos 60, Paulo Emílio dizia isso. Pois o cinema dependia da tela (sala de cinema) para ser mostrado”, diz. Hoje, ele lembra que a situação é diferente, já que existe o DVD, internet e televisão: “há uma diversificação dos meios de circulação”, completa.
No Nordeste, os filmes são feitos com baixo orçamento, conta o escritor, e raramente os produtores da região conseguem ser selecionados em um edital. “Não é que eles não queiram o edital. É que eles não conseguem o dinheiro. Se eles já fazem cinema sem dinheiro, por que dar dinheiro a eles?”, ironiza o teórico sobre o contexto.
Mas a forma de conseguir verba para fazer os seus filmes, costuma ser com o trabalho de montador em grandes produções que são financiadas. “As brechas são múltiplas”, comenta sobre a indústria cinematográfica.
Dificuldades de fazer cinema no Brasil
Benardet enumera uma série de barreiras para se fazer cinema. Entre elas, está a política estatal para o financiamento de filmes. O maior problema, de acordo com o estudioso, seria a seleção, que é feita projeto por projeto. Ou seja, não é levada em conta a trajetória de cada cineasta na hora do financiamento. Ele dá o exemplo do filme "Casa de Alice" (2007), de Chico Teixeira, que foi financiado e recebeu 37 prêmios. Mas quando o profissional for pedir financiamento de novo, isso não vai ser levado em consideração. Por isso, o autor acredita que a política deve ser revista: “não se pode eliminar, senão o cinema brasileiro desapareceria, mas é preciso rever”, aponta.
Outro ponto levantado é a distribuição dos filmes, o esforço das distribuidoras é essencial para a conquista do público, porém o trabalho necessita de retorno financeiro, o que nem sempre ocorre. Uma das justificativas seria que as produções financiadas já estão pagas antes de alguém assistir. “Se o filme não for exposto, o conceito sobre o cineasta não se altera. No próximo edital ele pode se inscrever sem nenhum problema”, fala.
Para finalizar, Bernardet aponta um fato positivo que é a Lei da TV Paga, um dos seus principais pontos é aumentar a produção e a circulação de conteúdo audiovisual brasileiro, diversificado e de qualidade, que pode consolidar a produção audiovisual através da articulação com a televisão.

Crédito da foto: Cristiano Lameira.
Matéria publicada no jornal Folha do Sul, na edição do dia 28 de novembro de 2013.


Bagé começa manifestação hoje

Brasileira marca presença em ato realizado em Londres

A insatisfação da população brasileira vem se espalhando por todo o país. A cada dia, novas cidades aderem às manifestações. E Bagé vai entrar hoje na pauta. Quem duvida que os protestos deem resultados, pode observar a proposta de prefeitos, que reduziram a tarifa do transporte público. O caso mais próximo é o de Pelotas. O Governo Federal também se esforça e já propôs a redução de 23 centavos em impostos federais na tarifa de São Paulo, com a desoneração da folha de pagamento e a isenção de PIS/Cofins sobre os serviços de transporte coletivo. Apesar de não ser a única causa das passeatas, a questão foi o estopim do movimento e fez os governadores encontrarem soluções para a reivindicação.
As manifestações nacionais também têm recebido o apoio de brasileiros que residem no exterior. Na última terça-feira, aconteceram manifestações em Lisboa (Portugal) e Londres (Inglaterra), onde a brasileira Mirian Simões Pires de Barros Pimentel (Mima Pimentel) mora e participou do ato. Ela conta que a manifestação foi pacífica, organizada, colorida e musical.
Para poder participar da manifestação, Mima desmarcou um compromisso no Spirit of Creativity do International Special Events Society (ISES). “Para dar força para o meu país, uma mistura de indignação, curiosidade e solidariedade me motivaram a comparecer”, afirma. A brasileira diz que, em média, duas mil pessoas participaram do protesto. Mima conta que a passeata recebeu apoio dos londrinos. “Aqui, como os ônibus são de dois andares, a cada coletivo que passava as pessoas vibravam”, conta.
Em Bagé
Na cidade, o primeiro protesto ocorre hoje, com a concentração, às 18h, na Praça Silveira Martins (Coreto). Estarão à disposição dos manifestantes canetas, cartolinas e papéis para a confecção de cartazes e faixas. A intenção do organizador é ganhar adeptos com a explicação sobre o ato. “Queremos convidar as pessoas que estejam passando pelo local para participar. Falando sobre o que está acontecendo no Brasil”, diz Émerson Rodriguez, organizador do protesto.
A outra manifestação acontece no domingo. A concentração será às 16h, na Praça Carlos Telles (Catedral) e, a saída, às 17h. Mais informações podem ser encontradas na página do evento criada no Facebook, intitulada “Protesto Pacífico em Bagé!”.

Crédito da foto: reprodução
Matéria publicada no Jornal Folha do Sul, na edição do dia 20 de junho de 2013.


Homofobia teria motivado assassinato de “Lacraia”

 Rodrigo Pires Franco foi espancado e estrangulado até a morte

Isolada por uma faixa preta e amarela, assim amanheceu a rua Caetano Gonçalves, a partir da avenida Presidente Vargas. Dentro do cordão de isolamento, pacotes fechados de camisinha, uma bolsa feminina de couro, garrafas e copos de bebida, pegadas e sangue. Esse era o caminho que levava até o corpo de um jovem de 30 anos, brutalmente assassinado na madrugada de sábado, dia 13.
Rodrigo Pires Franco, conhecido como Lacraia, morreu após ser espancado e estrangulado em pleno centro da cidade, local movimentado por ser próximo a, pelo menos, duas casas noturnas. Apesar da causa da morte não ser conhecida -  porque deve ser apontada pelo Instituto Geral de Perícia -  os cortes no rosto e as marcas no pescoço denunciavam as agressões.
A Brigada Militar recebeu a ligação, por volta das 6h, de transeuntes que viram um homem caído em via pública. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) foi chamado, mas encontrou a vítima sem vida. A morte, segundo o obituário, aconteceu às 5h.
Franco era conhecido por muitos bageenses por apresentar semelhanças físicas com o dançarino Marco Aurélio Silva da Rosa, vulgo Lacraia, que ficou famoso juntamente com o MC Serginho, pelo funk das músicas “Vai Lacraia” e “Eguinha Pocotó”. Assim como o personagem com o qual se parecia, Franco gostava de dançar, era figura conhecida no carnaval da cidade e já concorreu ao título de Rainha da Diversidade. 
A motivação    
Na sua preferência sexual, a vítima era homossexual, estaria o motivo mais forte do crime. A morte teria sido motivada por preconceito. É o que conta o titular da 2ª Delegacia de Polícia, Luis Eduardo Benites, que cuida do caso: “O crime foi motivado por homofobia. O suspeito contou que não era a primeira vez que a vítima o abordava”.
A abordagem pode ter sido para a oferta de um programa. Há relatos de que Franco se prostituía. A interpretação da autoridade policial está baseada na declaração de um homem que se disse cuidador de carros das proximidades do local do assassinato. Ele se apresentou ainda na manhã do sábado na delegacia. Além do preconceito, o acontecimento pode também ter sido estimulado pelo uso de drogas, já que, segundo Benites, os dois envolvidos seriam usuários de crack.
O suspeito, maior de idade, não teve o nome revelado, porque ainda não foi confirmado como autor, mas, ao que tudo indica, será indiciado pelo assassinato. “Ele foi levado pelos familiares para prestar esclarecimentos na delegacia. A família ficou intrigada com a roupa suja de sangue, com as quais ele teria chegado em casa”. As vestes já estão de posse da polícia e foram entregues pela companheira do suspeito.
De acordo com outras fontes, que não quiseram se identificar, o suspeito chegou em casa gritando que teria matado um homem e com a roupa suja de sangue. Além disso, uma pessoa não identificada teria ido até a sua residência para acusá-lo do crime. Na delegacia, ele não assumiu a culpa, porém disse que agrediu Franco. Mesmo sem a confissão, Benites explicou que as circunstâncias e os relatos das testemunhas levam a crer que foi o jovem que espancou e estrangulou a vítima até a morte. “O crime já está praticamente resolvido”, conclui o delegado.

Crédito: arquivo do jornal Folha do Sul.
Matéria publicada no jornal Folha do Sul, na edição do dia 15 de julho de 2013.